Sem sola
Estou “sola”. Uma criatura “desolada”. Levando para a casa as solas das botas que me calçam. Um cano longo sem base. Uma gafe de Cinderela que não pode correr. E a carruagem virou moranga na praça. E o príncipe tava em casa meio com preguiça, meio desencanado, meio afim de ficar com o Drácula. E as fadas batiam as varinhas nos meus pés para pequenos trajetos. E eu só pedia para voar baixo porque tenho medo de altura. E porque eu não tava de guarda-chuva. E porque nessa cidade também tem muito trânsito no céu. Saí voando com as solas numa sacolinha até a moranga sem camarões. E fui puxada por ratinhos gargalhentos que nunca pararam de rir. E fui recebida pelo Conde fetichento que tinha bebido o príncipe. Conde Aquiles de Pompéia que não ligava para pescoço. Não quis ficar descalça para não expor o calcanhar. Dancei na ponta a madrugada toda com mil cabeças de alho. Sem base nos pés de vento que tenho. Até que entrou a luz. E o conde virou um morcego chorador que nunca parou de derramar lágrimas. E o príncipe abriu os olhos e a cor deles tinha mudado. E eu tentei tirar a bota e ela não saiu. Agora ando assim desolada, sem base pro plano do chão. Fadada a viver na ponta. Ou casar com um sapateiro. Ou tatuar umas asa nas costas e aprender a voar.
Escrito por Paula Cohen às 14h16
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